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Primeiro sorriso de Minas Postado em: 24 de Setembro

 Affonso Romano de Sant’Anna

 
Dizem que Juiz de Fora é a cidade carioca mais perto de Minas. Quando passa por lá um ônibus que vai do Rio para Belo Horizonte, o juizdeforano pergunta puxando o x: “-Vai para Minasx?”. 
Mais ainda: quando a estrada União Indústria foi corrigida, e em vez de cinco horas, o Rio ficou a duas horas de viagem, o pessoal de Juiz de Fora começou a reclamar da maresia…  E criaram a linha Parque Halfeld-Leblon.
           Vou me lembrando dessas coisas amenas ao ler o que Jorge Sanglard (perpétuo secretário de cultura daquela cidade) me envia sobre a violência crescente e a quantidade de mortes na“Manchester Mineira”.
        Quando eu vivi lá, no Grupo Escolar Fernando Lobo ou no Granbery, cantávamos o hino da cidade: “Viva a Princesa de Minas, viva a bela Juiz de Fora/ que caminha na vanguarda/do progresso estrada afora”. Rachel Jardim cantava esse hino. Fernando Gabeira cantava esse hino. Querem mais? José Rubem Fonseca, Pedro Nava, Murilo Mendes e, claro, os Arcuri responsáveis pelos prédio preciosos da cidade, o poeta Belmiro Braga, o historiador Dormevelly Nóbrega, e as abastadas família Hargreaves e Penido cantavam assim.
E até minha mãe que em Juiz de Fora nasceu, cantava orgulhosamente essa letra. Ela seus irmãos e meu avô Affonso Romano, que veio imigrado da Itália no final do século XIX. Morava lá na Tapera, mas cantava o mesmo hino. As fábricas de Juiz de Fora eram famosas. E minha mãe e suas irmãs trabalharam, como operárias, na Bernardo Mascarenhas. Os colégios religiosos de Juiz de Fora eram famosos, acolhiam jovens de todo o país. E o Granbery teria sido a primeira universidade brasileira, não fossem as querelas religiosas.
            Diante da notícia de que só neste ano mais de 100 pessoas foram assassinadas ali,  torna-se  difícil cantar: “Demos palmas, demos flores/Aos encantos da Princesa!/Ela é rica de primores/Da poesia e da beleza.”. Não sei se o pintor Carlos Bracher  e sua família ainda cantam assim. Se os diretores do “Pró-musica”a familia Sousa Santos que faz anualmente aquele inegualável festival de música colonial, se eles entoam essa música. Igualmente, não garanto que Itamar Franco (que tirou esse país do buraco inflacionário) poderia  cantar isto no outro mundo.
            Quando de Juiz de Fora saí, em1957, a cidade tinha algo em torno de 150 mil habitantes. Havia árvores e bondes na Avenida Rio Branco. Eu queria ser baleiro do Cine Central, tentava arrebatar as almas do “lamaçal do pecado” para o Reino dos Céus, pregando na Cachoeirinha e na Serrinha. Morria-se quase nada naquele tempo. As notícias policiais que o José Carlos Lery Guimarães  apregova no seu “Ronda Policial” eram muito ingênuas perto do que se ouve hoje.  Não acontecia muita coisa. Os mais ousados iam ao Rio assistir as comédias eróticas de Valter Pinto. Eu queria ser locutor da PRB-3. E com cinco colegas criamos um grupo de poesia que foi noticia até no Rio: “Pentágono 56”. A coisa era tão pacífica que um desses poetas era investigador de polícia.  Imaginem poesia e criminalidade juntas. Foi então que comecei a trabalhar na Gazeta Comercial e no Diário Mercantil. E frequentávamos o lindo Museu Mariano Procópio e remávamos no seu lago e comíamos jaboticaba nas árvores.
            A cidade tem hoje uma bela Universidade, oferece misses para concursos de beleza e seus moradores ainda sentem-se felizes de morar sob o Morro do Imperador. Mas queriam que houvesse menos mortes, menos violência
            Lembro-me da emoção provinciana no dia em que descobri que Manuel Bandeira havia escrito uns versos citando Juiz de Fora. Chama-se “Declaração de amor?”. E diz assim o poema:
 
“Juiz de Fora! Juiz de Fora!
Guardo entre as minhas recordações
Mais amoráveis, mais repousantes
Tuas manhãs!
 
Um fundo de chácara na Rua Direita
Coberto de trapuerabas.
Uma velha jabuticabeira cansada de doçura.
Tuas três horas da tarde...
 
Tuas noites de cineminha namorisqueiro...
Teu lindo parque senhorial mais segundo reinado
do que a própria Quinta da Boa Vista...
Teus bondes sem pressa dando voltas vadias...
 
Juiz de Fora! Juiz de Fora!
 Tu tão de dentro deste Brasil!
 Tão docemente provinciana...
Primeiro sorriso de Minas Gerais!
 Estado de Minas- 22.09.2013
 

Fonte: http://www.em.com.br/


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